O
dia-a-dia com os filhos desperta e acentua características cada vez
mais valorizadas no mundo corporativo. Aproveite-as para ganhar pontos
na vida profissional
Já
ouviu dizer que filho atrapalha a carreira? Pois esqueça. Ser mãe pode
fazer de você uma profissional muito melhor. Cada vez mais o que conta
no mundo do trabalho são as habilidades para se relacionar com o outro e
lidar com ambientes em constante mudança - a competência técnica virou
requisito básico e não mais um diferencial. E quer condição mais
propícia do que a de mãe para aprender a se relacionar com necessidades e
expectativas diferentes da suas, acostumar- se a driblar imprevistos e
exercitar a negociação e a flexibilidade?
"Quando se torna mãe, a mulher se vê obrigada a tirar o olho do próprio
umbigo e a observar o bebê. Ela tenta se colocar no lugar dele para
descobrir o que ele quer, o que sente e de que precisa. Essa capacidade
de se colocar no lugar do outro é a base dos relacionamentos
bem-sucedidos", diz a psicanalista Mariá Giuliese, conselheira de
carreira de executivos e diretora da consultoria Lens & Minarelli.
"Hoje, muitos profissionais perdem o emprego por olharem só para si
mesmos e terem dificuldade de se relacionar e compreender as pessoas e o
ambiente ao redor." Claro que essas competências emocionais
não se adquirem só com a maternidade. São qualidades que dependem
também das vivências e do amadurecimento de cada um. Mas, no papel de
mãe, a mulher é colocada diante de situações que as estimulam. "A vida
ensina muito, mas os filhos ajudam a gente a aprender mais rápido",
resume a psicóloga Sandra Moreira, da consultoria RH Internacional. Mas
quais são essas habilidades que podem ser reforçadas a partir da
maternidade? Confira a seguir e veja como o fato de ter filho pode
render pontos positivos para sua carreira.
Tolerância
Antes você tinha o controle do seu tempo, podia agir quase unicamente de
acordo com os seus anseios e necessidades e é possível que seu comportamento e
modo de pensar servissem de parâmetro para avaliar o desempenho dos
outros - algo como "se posso fazer nesse prazo, meu colega ou
subordinado também pode". Com filho, isso muda. "Por mais organizada que
seja, é inviável manter a casa sempre arrumada como se não existisse
uma criança ali", observa a psicóloga Marianita Crenitte, especializada
em orientação de carreira e diretora da Novo Ser Consultores. "No
dia-a-dia com o pequeno, a mulher desenvolve mais paciência e tolerância
para lidar com situações que não são exatamente como ela esperava.
Passa a entender que o comportamento do
outro é diferente do seu e que cada um tem um nível de maturidade."
Nesse contato com as próprias limitações e com as da criança, você fica
menos rígida nas relações e aceita melhor as limitações de cada um.
Organização
O número de horas do dia não aumenta depois que você tem filhos. Mas a
quantidade de tarefas e responsabilidades a administrar antes ou depois
do expediente no escritório cresce - e muito! Se a criança fica em casa
com alguém, é preciso deixar as instruções do dia para a babá ou a
empregada. Se fica em berçário ou na escolinha, tem a hora de levar, de
buscar, as reuniões... E ainda é preciso encontrar espaço na agenda para
ir ao supermercado, fazer a unha e o cabelo, dar atenção ao marido...
Por isso, estabelecer prioridades e organizar- se melhor é questão de
sobrevivência. Mesmo quem não tinha essa habilidade antes, vê-se
impelida a treiná-la. E, no trabalho, quem é organizada e sabe priorizar
tarefas ganha em eficiência e se estressa menos.
Concentração e foco
Para que tudo o que você planejou funcione, é preciso concentração e
foco em prioridades, outra qualidade que se adquire por força das
circunstâncias. "É comum a mulher voltar da licença-maternidade mais
produtiva", diz Sandra Moreira. "Além do desejo de provar que continua a
mesma profissional competente de antes, ela sabe que seu tempo é
precioso, que agora não tem mais a mesma disponibilidade para ficar
depois do expediente ou trabalhar no fim de semana, então faz o possível
para o dia render."
Flexibilidade
Ninguém melhor do que uma mãe para lidar com imprevistos. "Outro dia, eu
estava voltando para o escritório, depois de uma reunião no centro da
cidade, quando ligaram dizendo que a Mariana tinha caído e quebrado dois
dentes", conta a diretora de marketing Marise Barroso, de 42 anos, mãe
de Mariana, de 7 anos. "Na mesma hora, segui para atendê-la, contornei a
situação e, depois, voltei para a empresa a fim de resolver o que tinha
ficado pendente." Como essas experiências ajudam na vida profissional?
"Mãe sabe que imprevistos acontecem e não fica paralisada diante deles.
Com isso, adquire jogo de cintura para encontrar soluções", ressalta
Marise. "A cada dia, as mudanças acontecem mais intensamente no ambiente
profissional e quem tem flexibilidade adapta-se melhor às novas
exigências e aos novos cenários", acrescenta Marianita Crenitte.
Versatilidade
Quem desempenha múltiplos papéis - mãe, esposa, profissional, para citar
só três - acaba exercitando a habilidade de realizar múltiplas funções
no dia-a-dia. E, com freqüência, tudo ao mesmo tempo. "Às vezes, estou
preparando uma aula na frente do computador, respondendo às perguntas
das crianças e trocando mensagens pelo MSN com um orientando da
pós-graduação", conta a professora universitária Susana Pereira, de 39
anos, mãe de Rafaella, de 9 anos, e de Pedro Henrique, de 4 anos. "A
maternidade me ajudou a treinar essa capacidade e também a trocar de
assunto ou de tarefa rapidamente." Num trabalho como o seu, em que
realiza funções diversas, como dar aulas, dedicar- se à pesquisa,
escrever artigos e orientar alunos de pós-graduação, trata-se de uma
característica valiosa. E que é também cada dia mais valorizada no
mercado em geral, que quer profissionais capazes de transitar com
desenvoltura por várias áreas e atividades.
Negociação
Quando você convence seu filho de que é preciso almoçar para só então
comer o doce ou explica que não pode ficar em casa com ele porque tem de
trabalhar, mas que mais tarde brincarão juntos, está treinando sua
habilidade de negociação. Essa é outra qualidade que, segundo Susana,
ela conseguiu reforçar no convívio com as crianças. "Fiquei mais hábil
em buscar soluções em que os dois lados saiam ganhando - porque a gente
não quer ver o filho perder e, ao mesmo tempo, não pode abrir mão do
próprio ponto de vista", observa. "Ouço mais também." Essa nova
sensibilidade reflete diretamente no cotidiano profissional. Um exemplo
simples: por seu cronograma, os alunos teriam de entregar uma lista de
exercícios na primeira aula após o Carnaval. Eles pediram para adiar,
para aproveitarem melhor os dias de folga. Susana chegou a uma solução
intermediária: os alunos fariam parte dos exercícios em sala de aula
antes do feriado e a outra parte ficaria para depois. "Em outros tempos,
provavelmente eu usaria minha autoridade para exigir o que estava
combinado."
Capacidade de delegar
A gente pode até ter vontade, mas sabe que não conseguirá resolver tudo
sozinha o tempo todo. Será inevitável delegar a alguém os cuidados com
os pequenos em pelo menos parte do dia e fazer esse exercício também no
escritório para não terminar o expediente com montanhas de pendências.
"Tanto em casa quanto no trabalho, eu preferia fazer as coisas a pedir
ajuda", afirma a administradora de empresas Ana Carolina Gross Borghi,
de 36 anos, mãe de Pedro, de 2 anos, e de Miguel, de 4 meses. "Com a
chegada dos filhos, fui aprendendo a delegar, porque percebi que não
tinha como dar conta de tudo sem o apoio dos outros. O resultado é que
passei a não me sobrecarregar tanto e não me sinto frustrada. Consigo
fazer o que realmente é preciso e, além disso, as pessoas da minha
equipe se sentem mais valorizadas."
Observação
Bebês não falam, choram - de fome, de sono, de cólica... Como saber o
que cada choro significa? Só com muita observação para entender os
sinais do corpo, as expressões, o comportamento
para notar o que aconteceu antes e provocou determinada atitude. Ter a
percepção aguçada pode ser um grande trunfo na vida profissional, porque
permite compreender além do que é dito. Se você comanda uma equipe,
fica mais apta a notar quando alguém está desmotivado e precisa de uma
palavra de incentivo, por exemplo. E mesmo que não ocupe um cargo de
liderança, essa capacidade também é muito útil para que você saiba a
forma mais adequada de agir em diversas situações e, quem sabe, até para
perceber o melhor momento de pedir aquele aumento ao chefe.
Comunicação
Como conseqüência direta dessa capacidade de observar e compreender o
outro, a forma de se comunicar também melhora. Seu discurso será mais
personalizado e adequado a cada ouvinte, o que aumenta suas chances de
ser entendida. Ao mesmo tempo, tende a tornar-se mais objetivo, sem ser
rude. "Com os filhos, a gente precisa dizer o que é certo e o que é
errado sem muito nhenhenhém, mas por outro lado sendo muito suave. Faz
parte do processo de educação", destaca a diretora de marketing Marise
Barroso. "Dar feedbacks à minha equipe ficou bem mais fácil e natural
depois que tive de exercitar essa habilidade com a minha filha", conta.
Perspectiva
Se antes você não dormia à noite por causa de qualquer comentário menos
animador do seu chefe, é quase certo que, depois da maternidade, isso
não ocorra mais. A tendência é compreender melhor o que realmente
importa e dar aos problemas o tamanho que eles têm de fato. "Lido com
executivos em transição de carreira e percebo que as mulheres enfrentam
as perdas e as frustrações com mais facilidade do que os homens",
comenta a consultora Mariá Giuliese. "O trabalho é uma das atividades
delas, não necessariamente o que lhes dá identidade. O papel de mãe e a
família têm um peso muito grande." As vantagens disso? Menos estresse e
mais chances de levar a vida profissional de maneira equilibrada e
feliz.
por Luciana Marinelli
revista Claudia
Fonte: RH Portal